Diagnosticada que não seria mulher,
teve em vida todos os preparativos para sua morte.
Flores foram calculadamente plantadas
para serem colhidas quando ela completasse
os seus quatorze anos.
A primeira palavra que ensinaram-na a falar
foi “Adeus” e sobre lágrimas sempre evitaram conversas.
Desde cedo sempre teve incentivado o gosto
pela leitura – a poesia – propriamente dita.
Versos tristes e autores melancólicos
sempre foram sua preferência.
Amou a vida desde então.
A família criara uma obsessão por funerais e
tanto quanto ir a missa, ver os mortos tornou-se
um agradável hábito.
Não sentia felicidade quando convidada para um, mas
uma sincera simpatia com todo o circo.
“Quando chegar minha vez, quero muitas crianças”,
disse ela certa noite enquanto sua mãe
tristemente lhe beijava o rosto e riscava em
diagonal mais um número entre tantos
de um enorme quadro colorido
colocado em seu quarto.
Diria que ela viveu sua vida;
viveu apenas e nunca soube o que era existir.
Diagnosticada que não seria mulher
teve seu coração cortado enquanto menina.
Todos silenciavam e percebeu que era um
silêncio, que outras crianças não tinham,
que a incomodava.
Ganhava todos os presentes e sempre
eram os mais lindos.
Ganhava todos os abraços e eram os mais duradouros.
Quis uma resposta, mas sua angustia só fazia
aumentar o tempo duradouro das despedidas.
Todos sabiam que quando ela menstruasse, seria
o fim – ela não.
Todos esperavam que fosse o último abraço – ela não.
Completou quatorze anos e no seu aniversário
as velas apagaram-se sozinhas.
Não houve música, nem palhaços e nem mágicos.
Não houve últimos abraços e naquele dia
foi poupado o último número do quadro
colorido que anunciava tristemente o início
de uma nova vida para os abraços
que despediram-se sem saber que era adeus.
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